
Mulher africana, nos trilhos de Lisboa
Uma homenagem à coragem silenciosa de tantas mulheres africanas que, entre comboios e silêncios, constroem um futuro com as próprias mãos.
POESIA
6/12/20251 min ler


Paulo Muhongo
Mulher africana, nos trilhos de Lisboa
Tu, exilada do ventre da tua terra,
como tantas Marias de África,
vives agora em chão estrangeiro,
com um filho ao colo
e o mundo inteiro sobre os ombros.
Do suor que teima em cair da tua testa
nascem os frutos que alimentam o teu menino.
É por ele que madrugas,
é por ele que corres,
de carrinha em carrinha,
de táxi partilhado a metro apinhado,
como se o tempo fosse sempre escasso
e os sonhos, uma urgência calada.
Lisboa ri nos arraiais de Junho,
mas tu danças outra música —
a da sobrevivência.
Entre cheiros a sardinha e manjerico,
tu carregas o peso do silêncio,
da ausência, da esperança.
Quando hás de parar?
Quando hás de respirar fundo,
olhar o céu e dizer: também mereço a alegria?
Pois mesmo sendo Eva,
és filha do Criador.
E tens direito ao descanso,
ao riso,
à luz.
Que seja eu esse Adão que saiba dar-te descanso.
Que seja eu a brisa que acalma a tua alma
fadigada pela brutalidade da vida.
Que em mim encontres o amparo e o abrigo
que sempre procuraste em tantos Adões,
mas que em cada entrega,
só o sabor amargo colheste.